tinta permanente - João Pires - "Olhos Negros" (v2)
Estou só no cimo da muralha, ao amanhecer. O céu ainda está adormecido. Vestindo uma camisa preta, enterro as mãos nos bolsos para me aquecer do frio da madrugada. Ao longe, vejo a cidade entorpecida. Luzes apagadas e silhuetas de torres altas embriagadas de sono. Sopra um vento cortante que me alisa o cabelo. De olhos bem abertos, aponto para o infinito. Surgem sobre a linha do horizonte, tons alaranjados em forma de fatia no limite do céu ainda escuro. Por detrás das vidraças sujas e enormes, já sem o vento dilacerante, aprecio melhor o céu laranja no horizonte. Visto o casaco de couro preto e desço em passo apressado as escadas de ferro até à rua ainda escura. Um anúncio luminoso acende descompassadamente. Subo para a bicicleta e pedalo sobre a cidade sem movimento. Apenas alguns candeeiros dão vida às ruas, criando sombras projectadas sobre os edifícios industriais desertos. Sacos de lixo abandonados sobre os passeios, obrigam a uma...